segunda-feira, 11 de abril de 2011

a obscena senhora D (fragmentos) - hilda hilst

Casa da Porca, assim chamam agora a minha casa,
fiquei mulher desse Porco-Menino Construtor do
Mundo, abro a janela nuns urros compassados,
espalho roucos palavrões, giro as órbitas atrás da
máscara, não lhes falei que recorto uns ovais feitos
de estopa, ajusto-os na cara e desenho sobrancelhas
negras, olhos, bocas brancas abertas? Há máscaras
de focinhez e espinhos amarelos (canudos de
papelão, pintados pregos), há uma máscara de
ferrugem e esterco, a boca cheia de dentes, há uma
desastrada lembrança de mim mesma, alguém-
mulher querendo compreender a penumbra, a
crueldade - quadrados negros pontilhados de negro
- alguém-mulher caminhando levíssima entre as
gentes, olhando fixamente as caras, detendo-se no
aquoso das córneas, no maldito brilho
Hillé, andam estranhando teu jeito de olhar
que jeito?
você sabe
é que não compreendo
não compreende o quê?
não compreendo o olho, e tento chegar perto.
Também não compreendo o corpo, essa armadilha,
nem a sangrenta lógica dos dias, nem os rostos que
me olham nesta vila onde moro, o que é casa,
conceito, o que são as pernas, o que é ir e vir, para
onde Ehud, o que são essas senhoras velhas, os
ganidos da infância, os homens curvos, o que
pensam de si mesmos os tolos, as crianças, o que é
pensar, o que é nítido, sonoro, o que é som, trinado,
urro, grito, o que é asa hen? Lixo as unhas no
escuro, escuto, estou encostada à parede no vão da
escada, escuto-me a mim mesma, há uns vivos lá
dentro além da palavra, expressam-se mas não
compreendo, pulsam, respiram, há um código no
centro, um grande umbigo, dilata-se, tenta falar
comigo, espio-me curvada, winds flowers astonished
birds, my name is Hillé, mein name madame D,
Ehud is my husband, mio marito, mi hombre, o que
é um homem?

Nenhum comentário:

Postar um comentário