domingo, 10 de abril de 2011

A arte do insulto

Como deixar de ser um insciente
e um 
pisa-mansinho na hora de
xingar o próximo

Marcelo Marthe
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Mais termos exóticos e um divertido teste com palavras do Dicionário Brasileiro de Insultos

"O primeiro homem que disparou um insulto em vez de atirar pedras foi o fundador da civilização", disse certa vez Sigmund Freud, o pai da psicanálise. É possível afirmar ainda que o primeiro homem a gritar uma ofensa foi também o inventor de uma arte que requer humor e raciocínio rápido. Um livro que mostra como palavras comuns foram transformadas em armas afiadas chega às livrarias nesta semana. É o Dicionário Brasileiro de Insultos (Ateliê Editorial; 364 páginas; 30 reais), organizado pelo professor Luís Milanesi, vice-diretor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. O autor, que assina sob o pseudônimo de Altair J. Aranha, garimpou 3.000 verbetes (veja quadro) que vão dos palavrões mais chulos até termos aparentemente inocentes, como ácaro. Sim, ácaro: o aracnídeo microscópico que causa alergia respiratória também pode designar pessoas que "agem de modo imperceptível para degradar o ambiente e torná-lo ruim à sobrevivência dos demais".
A literatura está repleta de bons exemplos do uso do insulto. A começar pela Bíblia. Numa passagem do Antigo Testamento, o profeta Isaías desanca o rei assírio Senaqueribe, sugerindo que o inimigo é um asno. "Porque a tua arrogância subiu até meus ouvidos, porei minha argola nas tuas narinas e um freio nos teus lábios", fustiga. Muitos escritores ilustres foram mestres na arte de ofender – não apenas recorrendo ao vocabulário de uso corrente, mas criando floreios em torno dele. Um dos que mais se esmeraram nisso foi o dramaturgo inglês William Shakespeare, que recheou suas peças com centenas de ofensas. Em Otelo, por exemplo, o pérfido Iago lança no ar a seguinte estocada contra a bela Desdêmona: "(Ela é) o índice e o prefácio na história da cobiça e dos pensamentos asquerosos". Já num diálogo de Henrique IV, lê-se: "Por que conversas com esse baú inchado de loucuras, essa arca cheia de bestialidade, esse fardo inchado de hidropisia?". As ofensas shakespearianas já foram objeto de análises e compêndios na Inglaterra e nos Estados Unidos. Dicionários de insultos, aliás, são um gênero estabelecido no campo dos estudos lingüísticos. No Brasil dos anos 70, mesmo antes do dicionário de Milanesi, o etnólogo pernambucano Mário Souto Maior já havia realizado uma empreitada desse tipo com seu Dicionário do Palavrão e Termos Afins – que foi censurado pelo regime militar.
Com base no atual lançamento, é possível tirar algumas conclusões sobre esse universo lingüístico. A mais óbvia delas: o insulto é politicamente incorreto por natureza. Mais da metade dos termos que aparecem no livro explora o machismo, o preconceito (racial ou sexual) e os defeitos físicos. Outra constatação é que, assim como as gírias em geral, alguns insultos vão perdendo voltagem ou até sentido. Têm prazo de validade. De escova-botas (sujeito bajulador) a cabrião (aquele chato incorrigível), há grande quantidade de insultos dos tempos d'antanho que hoje soam engraçados. O dicionário também mostra que esse gênero de vocabulário está muito sujeito às variações regionais. Um exemplo: enquanto na maior parte do país a palavra "frango" remete apenas ao filhote da galinha, em Pernambuco ela também é um modo ofensivo de chamar alguém de homossexual. Se faltar munição na hora do bate-boca, Milanesi indica a saída: é sacar um termo tão desconhecido que deixe o adversário em estado de perplexidade. Quem sabe, digamos, alguma palavra sonora como cacóstomo (pessoa que tem mau hálito) ou insciente (um jeito educado de chamar de ignorante). Basta abrir o dicionário – de insultos ou não – e escolher.

LÍNGUA AFIADA
Cinco verbetes do Dicionário
Brasileiro de Insultos
 CATRUMANO – Pessoa rústica, acanhada, do tipo "bicho-do-mato".
 FRANGALHONA – Mulher que não se cuida, que anda mal vestida, sem preocupação com a aparência. Desmazelada, maltrapilha.
 POMBOCA – Pessoa inútil, fraca.
 QUIQUIQUI – Aquele que fala mal, que titubeia demais. Gago.
 SALTA-POCINHAS – Sujeito saliente, cheio de afetação, trejeitos e de requebros ao andar.



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